quarta-feira, 27 de março de 2019

Todos somos iguais perante a Deus


Todos somos iguais perante a Deus. 

Todos quem? Perante a qual Deus?
Zeus, Tupã, Olodumaré, Cristo, Alláh, Jeovah, Brahma, Shiva...?

As diversas religiões do mundo, dentre as quais o cristianismo em suas variações católica, ortodoxa e protestante é apenas uma delas, cultuam diferentes deuses, a partir de diferentes códigos sagrados constituídos historicamente.
Serão todos esses deuses um único Deus?

Para a maioria delas, Deus é um só: o seu! A verdade uma só: a sua! Revelada por seu deus em seus códigos sagrados (a Bíblia dos cristãos, o Torá dos judeus, o Alcorão dos mulçumanos, o Mahabharata dos hindus...),  que precisa ser levada a todos os povos, os outros, os infiéis que precisam ser convertidos à minha verdade (ou exterminados).

A história é testemunha de que essa relação entre o fiel (na sua fé) e o infiel (todos os outros que não compartilham a minha fé) tem sido marcada pela intolerância, violência e extermínio em nome de algum deus. Foi assim no passado e é assim no presente.

No Brasil, o encontro dos povos e seus deuses, o deus dos invasores europeus (Jesus Cristo), os deuses dos povos originários exterminados (Tupã, Akuanduba, Wanadi...) e os deuses dos povos africanos seqüestrados em seus países e aqui escravizados (Ogum, Xangô, Olodumaré...), não foi um encontro de iguais em torno de um mesmo deus e que pacificamente formaram esse povo lindo miscigenado, com um rico sincretismo religioso.

Somos o resultado da violência do macho, branco, europeu, cristão que ainda hoje destrói os terreiros e acusa os povos negros de cultuarem demônios; que extermina as matas, templos sagrados dos poucos povos indígenas que restam, tomando sua fé por feitiçaria... E impõe sua força, sua cultura, seu deus e sua verdade.

Deus acima de tudo!
“... e a verdade vos libertará” (Jo, 8:32)

domingo, 17 de março de 2019

O Barbeiro Surdo e o Falante Analfabeto






Ontem ao final da tarde fui ao centro de Bacabal procurar um carregador de celular. Certamente não encontrei, pois o comércio bacabalense não funciona nesse horário, tempo incluído naquele destinado à manutenção da força de trabalho, onde o capitalismo ainda não se expressa plenamente em suas mais modernas tecnologias de exploração, como os shoppings, onde seguramente teria encontrado o que procurava, mesmo sendo sábado à tarde.

Em minha caminhada passei em frente ao Salão Santo Antonio, que se encontrava aberto. Afinal, a vida segue e vida é trabalho, mesmo já sendo início da noite de sábado. Salão à moda antiga com uma cadeira Ferrante e barbeiro de cabelos grisalhos, encerrando o corte de seu último cliente.

Na verdade, cortar o cabelo não estava nos meus planos. Mas, quase que por impulso, ou pra não perder a viagem, entrei. Pensei: aparar as pontas, mas só um pouco; rebaixar um pouco nas laterais e atrás e fazer o pé do cabelo.

Para minha surpresa, o barbeiro era surdo. Percebi que se comunicava em Libras, o que não adiantava muito, pois o máximo que consegui no meu mais completo analfabetismo, foi fazer essa constatação. Restou-nos a mímica como alternativa  comum de expressão, com vantagem pra ele, já experimentado também nessa forma de comunicação.

Assim, com gestos desajeitados, eu tentava dizer aquilo tudo: aparar as pontas, mas só um pouco; rebaixar um pouco nas laterais e atrás e fazer o pé do cabelo... Acho que ele compreendeu. Mas, não considerava possível a tarefa. Se entendi correto, ele deveria estar dizendo: “não dá pra aparar as pontas só um pouco; seu cabelo só tem pontas”.

Além da desvantagem em relação à comunicação, lembrei das vezes em que tenho me aventurado em aparar eu mesmo só as pontinhas (com a ajuda de minha já falecida mãe). Vi que estava em desvantagem, também, em relação à capacidade de avaliação da viabilidade do serviço solicitado.

Relaxei e deixei por conta do barbeiro...