segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Desnorte

Não me perguntem...
Não me pergunto.
Pois já não digo com palavras.
Porque quando falo, minto;
E quando minto, nego;
E quando nego, calo...
E em meu silêncio
Já não sigo caminhos,
Já não faço meus caminhos,
Descaminho, a esmo...

Sem rota e sem rastros
Sigo para qualquer parte,
Dando voltas em meus próprios passos,
Tropeçando em minhas próprias pernas.
Sem metas, nem cartas
Vou atento às setas, às placas;
Para delas desviar-me.
Alimentando-me de palavras
Vou conjugando cada verbo à sorte.
Buscando no caos sua ordem;
Na morte, o cume da vida;
Na vida, a razão da morte.

Desdizendo o que disse:
Desfazendo caminhos,
Construindo novas trilhas,
Vou seguindo velhos mapas...

Feridas

Ferida que dói
É carne que está viva.
Sente,
Reclama,
Quer vida.

A ausência da dor é a morte;
Esperança é virtude do forte;
A última dor é a porta da alegria.

Da boca pra fora

Da boca pra fora eu digo o que quero
Não tenho problemas, sou muito feliz
Recito palavras doces aos teus ouvidos
Eu sou teu espelho, tu és minha atriz

Profiro palavras ferinas, malvadas
Tu és minha amada, és tudo que quis
Respostas seguras, projetos, conceitos
Sou quase perfeito, da boca pra fora

Da boca pra fora tudo é relativo
Não finjo, não minto, sou dono de mim
O amor que eu sinto ou não sinto em meu peito
Digo-te agora, da boca pra fora
Ou não conto a ninguém

Não pense que escondo minha identidade
Veja o meu retrato está em toda parte
Veja o meu nome é o mesmo seu

Se queres saber quem sou eu agora?
Digo-te sem medo, não tenho segredos:
Sou forte, sou belo, sou cheio de sorte
Sou cheio de vida, não temo a morte
Odeio a mentira, sou simples, seguro
Dou-te minha palavra...
Da boca pra fora.

Viva a Educação do Campo!

Educadores e educadoras do campo,
Preparemos as ferramentas para a lida.
O grito que nos chama é a vida,
Que reclama o direito de viver.
Na terra, no mar, nas matas,
Em todo canto onde houver luta,
Batalhemos a nossa labuta,
E escutemos, da luta, o saber.

Escutemos os gemidos que brotam da terra;
Escutemos os mares;
Escutemos as matas.
São gritos doídos de terra cercada,
De mares saqueados,
De matas tombadas.
São gritos daqueles feridos na luta,
Gemidos de fome, de morte, de dor;
São sussurros de consolo;
São gemidos de amor;
São os gritos de um povo: Liberdade!

Educadores e educadoras do campo,
Sintamos o cheiro da terra molhada.
A hora é agora: a semente jaz plantada.
Mas como vingar numa terra aprisionada?
Derrubemos, pois, as cercas!
Libertemos esse chão!
E na terra de todos e todas;
Em toda a terra;
Em todos nós;
Cultivemos nossa semente: Libertação!

E no ofício camponês,
Fecundando uma nova terra,
Semeando um novo campo,
Não ouviremos velhos gritos;
Entoaremos um novo canto:
Viva o novo homem e a nova mulher!
Viva a nova sociedade!
Viva o novo campo, a nova cidade!
Viva a Liberdade!
Viva a Educação do Campo!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Alucinações

Momentos tão saudosos
Que me assaltam em fragmentos,
Arrebatam minha alma
E deixam o corpo em tormento.
Subvertendo a história,
Rompem com a linha do tempo,
Como erva que alucina,
Aliena, desatina
E põe a prova
Os sentidos.
E te vejo
E te cheiro
E te beijo
E te sinto...
Eu juro: não minto!
Sou cético: é real!

Mas se a lucidez prevalece,
Ainda que por um segundo,
Mergulho em ti,
Vou profundo,
Nesse encontro virtual.

Ritual

E chegará o dia em que
Os deuses cobrarão
De nossas vidas, as paixões...
O cerimonial será
Efêmero para os mortos,
Mas sublime, aos que sofrem.
Nesse dia,
Teu cheiro exalará
Invadindo todo o meu templo;
Teu beijo despertará o espírito adormecido;
Tua mão tocará meu coração;
Teu corpo receberá minha oferta;
E seremos um...
E arderemos intensamente!
Porque
Teu cheiro é o incenso;
Teu corpo, o altar;
E tua boca...
A janela de minha alma!

Viva a arte!

Como falar do amor
Do amor que a gente sente
Não do que está na mente
Do nosso interlocutor?

Como fazer sentir a dor
Da ferida machucada
Se as palavras que profiro
Serão relativizadas?

Sentimento absoluto
Que está em toda parte
Corre a procura da arte
Não perde nenhum segundo
Corre a procura da arte
Ela é a expressão do mundo

Sonhos...

Aos cinco anos
Sonhei com castelos e carruagens
Aos quinze anos
Sonhei com a casa própria
E o carro popular
Aos vinte e cinco anos
Sonhei pagar o aluguel atrasado
E ter o dinheiro pra passagem do ônibus

Pôrra!
Parei de sonhar...

Cilada

Se o desejo que sinto agora
É ter-te sempre ao meu lado,
Se a boca me quer calado,
Colado ao beijo teu,
Se o meu pensamento se fez
Tua eterna morada;
O ósculo foi a cilada,
Que armamos para nós.

Fugir é ilusão, não há norte,
Apolo rendeu-se a Dionísio.
E onde quer que busque abrigo
Irás comigo, meu querido algoz.
Quedo-me, então, à minha própria sorte,
Pois certeza na vida, só a morte;
Tudo mais é pura especulação.

Se amanhã o ônus pago for a lamúria,
Será por ter rendido-me à fúria
Dessa impetuosa paixão.
Tristeza maior, pois, seria
Poupar-me dessa alegria
E viver chorando depois...

Os lábios que não senti,
De uma paixão não vivida.

Altas horas

É tarde...
As horas quase já não são mais desse dia
Aonde não chega o mercúrio ou néon
Somente o breu, a agonia.
Vultos sombrios vagam na noite
Crianças sombrias a esmo, drogadas.

Os velhos e mendigos já não esmolam
Dormem, nos cantos, nos bancos
Sem canto, jogados...

Nos bares há vida, comida, bebida ávida.
Os travestis estão nas esquinas,
Os assaltantes, também
A morte os espreita mais de perto,
A mim também.

Incerto, mas certo,
Entorpe o dia amanhece...

Amém!

Às vésperas da morte

O que nos move?
Que força é essa capaz de
Mobilizar nosso presente em
Função de um pretenso e incerto futuro?
Homens de futuro...
Que criam, procriam e morrem...
Que crêem pregam e morrem...
Que sublimam, somatizam e morrem...
Que usurpam gananciosamente, acumulam e morrem...
Que amam, que matam e morrem...
Que comem, gozam e morrem...
Que famintos e castos, secam e morrem...
Que nascem, abortam e morrem...

Mas que acreditam no futuro
E consomem suas forças
Numa louca lida a que chamam vida.

Se o dia amanhecer

Quando o dia amanhecer
Vou abrir minhas janelas
E em meu barraco de favela
Deixarei o sol entrar...

Mas se janelas não houver
No quarto escuro e desolado
Pelas frestas do telhado
Deixarei o sol entrar...

E se for manhã de chuva?

Num barquinho de papel
Vagarei rumo ao oceano
Pelas lamas da sarjeta
Que se formam na biqueira
Da morbidez de meu quarto

Se o dia amanhecer

Desatino

Quando tua língua toca meu corpo inerte
Um turbilhão de sensações desencadeia
Interligadas como os nós de uma teia
Em cada ponto, uma diferente

A alma abandona o corpo ausente
Sem ordem, sem nexo, em desatino
Não sei se estou chorando ou sorrindo
Ao entregar-me ao natural deleite

E no vazio em que se encontra a mente
No limiar entre o real e o devaneio
A razão, doida, busca no teu seio
O seu prazer, único regente.

Travessia

Está lá o corpo inerte
No asfalto.
Sem riso,
Sem brilho,
De assalto.

Na pista quente
Um fio de sangue esfria.
A um segundo vivia,
Até a travessia...

Da vida, da via...

Quero tudo!

Quando o amanhã chegar,
Quero estar por inteiro.
Como a criança
E seu brinquedo
Como a vida
Como a morte.

Sem fronteiras,
Sem medos,
Sem certezas,
Sem futuro...

Quero tudo!
No claro e no escuro

Sentir todas as dores,
Todas as alegrias.
Embriagar-me do mundo,
Ir fundo!

Escrever poemas,
Dar flores,
Andar de mãos dadas,
Beijar na boca,
Fazer amor com cada parte do teu corpo,
Da tua alma.

Perder o juízo
Sem perder a calma.
Acertar
Com o que se erra.
Perder a vergonha
Sem perder a alma.
Ganhar o céu
Sem perder a terra!

Revoluções?

De que são feitas as revoluções?
De ideais?
De sonhos?
De Luta?
De gente.
De homens e mulheres e plantas
E negros e brancos e arco-íris...
Tão iguais
Tão diferentes.

Que sonham e temem
Que desejam e retrocedem
Que lutam e choram
Que se permitem
Que toleram.

Lutadoras e lutadores
Bem humanos, como a gente.
Que se dispõe a caminhar juntos,
Mãos dadas,
Passos lentos... Firmes!
Que aprendem juntos
Que ensinam juntos...
Uns aos outros.

Bem humanos, como a gente
Que não estão prontos nunca.
Mas que têm coragem de abraçar
E beijar
E amar
E rir
E chorar...

De morrer!
E de matar!

Disso são feitas as revoluções.

Cale a boca, professora!

Cale a boca, professora!
Meu ouvido não é penico.
Seu saber pra mim é lixo
E eu não tô nem me lixando
Se tô perdendo, ou ganhando...

Engulo tudo e vomito!

Metrópole

Brancos, amarelos,
Negros, roxos,
Altos e baixos;
Tortos.

Trânsito congestionado,
Céu congestionado,
Terra congestionada,
Nariz congestionado.

Todo mundo;
Do mundo todo.

Num único lugar;
Vários lugares,
Diversos.

Grandes caixões, enormes;
Pequenos caixotes, aos milhões,
Nos altos e baixos.

No asfalto,
No assalto,
Por todos os lados,
A vida borbulha.

Vidas que se misturam;
Mas só um pouco.

A luta pela terra

Ah, senhores que aprisionam nossas terras...

Não nos venham dizer quem somos;
Não venham ditar nossos sonhos,
Nem projetar nosso destino.
Já o sabem nossos meninos:
Somente com liberdade há vida.

E de nós, dizemos nós mesmos!

Os galos e as galinhas já cantam no terreiro;
O cheiro da manhã já se anuncia.
Se a cerca ainda avança;
Nossos passos já não param à porteira;
Nosso grito, a bala já não cala;
Nossos corpos, já não cabem mais nas celas;
E nossos braços não repousam cruzados à terra fria;
Porque não nos prestamos a isso!

Ah, senhores que aprisionam nossas terras...

Não assistiremos passivos
Transformarem nossos campos
Em venenosos pastos;
Não sucumbiremos à vossa gana capitalista;
Resistiremos;
Existiremos;
Construiremos outro campo!

Nessa marcha de homens e mulheres,
Combateremos até a vida.
(Em nossos horizontes não cabe a morte)
Porque nosso motor é a luta;
Nosso lugar é a Terra;
Nosso grito, liberdade!
E nosso sonho,
Uma nova sociedade!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Doces segredos

Olhar dissimulado,
Desejos guardados.
Doces segredos
Que as mãos espalham,
Lentamente, no corpo inteiro.
Segredos que ardem,
Desejos em brasa.
Incontidos,
Impulsivos.
Incabidos nos corpos,
Rompem os limites.
Gratuitamente,
Arrebatam as almas.

Corpos que pulsam,
Freneticamente.
Almas que vagueiam
Por vales desconhecidos.
Delírios ímpares.
Cheiros,
Sabores,
Calores,
Gemidos.

Por fim,
Quedo-me em teus braços.
Completamente rendido,
Abandono em ti meu corpo lasso.

Descobertas...

Que nossos passos nos conduzam cada dia a um novo lugar;
Que nossas línguas descubram um novo sabor a cada beijo;
Que nossos corpos não saciem seus desejos;
E que nosso amor alimente-se de todas as formas de amar.

Humanidades

Não nos contentaremos com as aparências
Não nos acostumaremos com o estranho
Não será a mediocridade nossa referência
Continuaremos a acreditar nos sonhos.

Rejeitaremos
A regra
A norma
A moda
A forma...

E nos indignaremos
E transgrediremos
E ousaremos
E criaremos
E seremos...

... mais humanos